Hoje eu trago algo um pouco diferente. Apesar de ser mais voltada à contos essa coluna, hoje temos um poema de Castro Alves, baiano escritor, pertencente à 3ª Geração do Romantismo brasileiro, a condoreira.
A Canção do Boêmio
Que noite fria! Na deserta rua
tremem de medo os lampiões sombrios.
Densa garoa faz fumar a lua,
ladram de tédio vinte cães vadios.
tremem de medo os lampiões sombrios.
Densa garoa faz fumar a lua,
ladram de tédio vinte cães vadios.
Nini formosa! Por que assim fugiste?
Embalde o tempo à tua espera conto.
Não vês, não vês?… Meu coração é triste,
como um calouro quando leva ponto.
Embalde o tempo à tua espera conto.
Não vês, não vês?… Meu coração é triste,
como um calouro quando leva ponto.
A passos largos eu percorro a sala,
fumo um cigarro que filei na escola…
Tudo no quarto de Nini me fala,
embalde fumo… tudo aqui me amola.
fumo um cigarro que filei na escola…
Tudo no quarto de Nini me fala,
embalde fumo… tudo aqui me amola.
Diz-me o relógio, cinicando a um canto:
— Onde está ela que não veio ainda? –
Diz-me a poltrona: por que tardas tanto?
Quero aquecer-te, rapariga linda.
— Onde está ela que não veio ainda? –
Diz-me a poltrona: por que tardas tanto?
Quero aquecer-te, rapariga linda.
Em vão a luz da crepitante vela
de Hugo clareia uma canção ardente;
tens um idílio — em tua fronte bela…
um ditirambo — no teu seio quente…
de Hugo clareia uma canção ardente;
tens um idílio — em tua fronte bela…
um ditirambo — no teu seio quente…
Pego o compêndio… inspiração sublime!
Pra adormecer… inquietações tamanhas…
Violei à noite o domicílio, ó crime!,
onde dormia uma nação… de aranhas…
Pra adormecer… inquietações tamanhas…
Violei à noite o domicílio, ó crime!,
onde dormia uma nação… de aranhas…
Morrer de frio quando o peito é brasa. . .
quando a paixão no coração se aninha?!
Vós, todos, todos, que dormis em casa,
dizei se há dor que se compare à minha!…
quando a paixão no coração se aninha?!
Vós, todos, todos, que dormis em casa,
dizei se há dor que se compare à minha!…
Nini! o horror deste sofrer pungente
só teu sorriso neste mundo acalma…
Vem aquecer-me em teu olhar ardente…
Nini! Tu és o cachenê dest’alma.
só teu sorriso neste mundo acalma…
Vem aquecer-me em teu olhar ardente…
Nini! Tu és o cachenê dest’alma.
Deus do Boêmio! São da mesma raça
as andorinhas e o meu anjo louro…
Fogem de mim se a primavera passa,
se já nos campos não há flores de ouro…
as andorinhas e o meu anjo louro…
Fogem de mim se a primavera passa,
se já nos campos não há flores de ouro…
E tu fugiste, pressentindo o inverno,
mensal inverno do viver boêmio…
Sem te lembrar que por um riso terno
mesmo eu tomara a primavera a prêmio…
mensal inverno do viver boêmio…
Sem te lembrar que por um riso terno
mesmo eu tomara a primavera a prêmio…
No entanto ainda do Xerez fogoso
duas garrafas guardo ali… Que minas!
Além, de um lado, o violão saudoso
guarda no seio inspirações divinas…
duas garrafas guardo ali… Que minas!
Além, de um lado, o violão saudoso
guarda no seio inspirações divinas…
Se tu viesses… de meus lábios tristes
rompera o canto… Que esperança inglória!…
Ela esqueceu o que jurar-lhes vistes,
ó Paulicéia, ó Ponte Grande, ó Glória!…
rompera o canto… Que esperança inglória!…
Ela esqueceu o que jurar-lhes vistes,
ó Paulicéia, ó Ponte Grande, ó Glória!…
Batem!… Que vejo! Ei-la afinal comigo…
Foram-se as trevas… fabricou-se a luz…
Nini! Pequei… dá-me exemplar castigo!
Sejam teus braços… do martírio a cruz.
Foram-se as trevas… fabricou-se a luz…
Nini! Pequei… dá-me exemplar castigo!
Sejam teus braços… do martírio a cruz.
Castro Alves
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